domingo, 25 de abril de 2010

Diagonais - Capítulo Final

A cozinha estava repleta de velas e ele não pode compreender a solidão da casa. Não deveriam estar todos ali? Estava sozinho mais uma vez e isso resumia a insignificância de ter chegado até ali. Os ombros estavam pesados então teve que sentar. Ele não sabia como esperar por algo que não iria acontecer. As velas iluminavam um pedaço de papel e uma velha caneta. Começou a escrever. Rabiscou algumas palavras, pensou em seus motivos e, quando não havia mais inspiração para suas frases cruas e honestas, foi surpreendido pelo rangido do porta.

Ela estava de volta àquela casa e mal podia acreditar. Esperava que ele tivesse deixado algum sinal de toda a tragédia que estava invadindo a sua vida. Todas aquelas velas estavam deixando-a ainda mais confusa. Na colisão, havia perdido seu noivo. E toda a família dela estava no outro carro, rumo ao casamento. Sentiu pena, porque eles não tiveram a oportunidade de se conhecer. E haviam acabado de ser velados juntos. Não era esse o programa planejado para o primeiro encontro. Sobre a mesa, um pedaço de papel.

Eu apenas sinto muito por deixá-la sozinha. Sinto que havia tanto para ser vivido e que agora tenho que deixar para trás. Não quero que pense que eu estou arrependido. Apenas não erraria de novo, se pudesse. Talvez eu tenha perdido o controle. Eu ainda te amo, mas de uma forma que você não merece. Eu não queria te machucar. Talvez eu tivesse apenas ciúme e insegurança para oferecer. Fico triste também por saber que talvez você sinta saudade. Se pudesse te deixar um conselho, diria: não me perdoe. Eu sabia para onde estava indo. Não estava pronto para ficar ao seu lado. E você me esperava tanto. Eu fiz as minhas escolhas e não inclui os seus sentimentos nelas. Apenas para que você não tomasse o caminho errado comigo. Mais uma vez, eu sinto muito, mas não me arrependo...

Ao terminar de ler o bilhete, ela pensou em entregá-lo para alguém. Mas poderiam interpretá-lo errado. E ela não podia ser infiel aos motivos dele para deixá-la. Ele estava abrindo mão de todo amor apenas por não achar que o merecia. Depositou o bilhete sobre a chama de uma das velas. Agora elas faziam sentido. As palavras se transformaram em cinzas. Antes de ir embora, teve a sensação de ter visto alguém no velho banco de madeira do quintal. Voltou a olhar, mas apenas um vento leve fez com que as folhas se deslocassem lentamente.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Diagonais - Capítulo 4

A cidade estava morta e ele se sentiu aliviado por não ter sido abordado pelas pessoas. Ninguém parecia ter curiosidade pelo seu estado deplorável. Julgou ser bom toda a indiferença, mas depois pensou por alguns segundos em como elas eram mesquinhas por não ajudá-lo. Ele deixava suas células mortas pela rua por onde passava e os outros pouco se importavam. O fato de estar no portão de casa o deixou aliviado. Estariam todos ali? Na igreja? No asfalto como aquele bebê? As luzes estavam todas apagadas.
No quintal, sentou-se num velho banco de madeira podre e apenas esperou a ocupação da mente por algum pensamento solitário, porque ele se sentia assim naquele momento. No vazio daquela noite notou uma presença ao seu lado:

- Por que você se atrasou?
Era a sua mãe.
- Eu me machuquei. Quis dar uma volta ontem à noite e alguns rapazes me bateram. Fiquei desacordado e perdido por um tempo.
- Onde estão todos?
- Dentro da casa.
- Por que está tudo escuro?
- Estamos sem energia há um tempo. O que há com você?
- Eu pensei em uma coisa mais sombria mãe. O velho problema da falta de luz nessa droga de cidade...
- Eu te amo tanto.
- Eu vou entrar.

Enquanto caminhava rumo à porta dos fundos, sentiu um aperto no peito por não amá-la da mesma maneira. Então se lembrou. Ele nunca havia conhecido sua mãe. Ele havia morrido no parto. Desesperadamente olhou para o banco de madeira e o encontrou vazio. Apenas um vento leve fez com que as folhas se deslocassem lentamente. Não podia chorar porque não compreendia. Tinha um grito preso na garganta que o fazia sangrar. Continuou andando. O que estava acontecendo afinal?
Abriu a porta e teve a face iluminada por velas.

domingo, 11 de abril de 2010

Diagonais - Capítulo 3

As dores limitavam a velocidade dos passos. O sol já estava alto e o cansaço também. Adormeceu. Os olhos fechados por tanto tempo fizeram com que ele pensasse que havia morrido. Despertou assustado e quando percebeu a falta de luz julgou mais uma vez que a morte havia chegado. Mas era simplesmente a noite. Não tinha percebido como havia dormido tanto. Na verdade, ainda sentia um cansaço tremendo, mas sabia que devia continuar trilhando o caminho para casa. Não parecia estar tão longe. As luzes da cidade já invadiam o seu campo de visão.
Sabia que não passaria despercebido nas ruas da cidade. Não poderia evitar que o vissem naquele estado. Pensou então em pegar uma carona. Inventaria uma história qualquer justificando os ferimentos pelo corpo e esperava apenas que acreditassem nele, sem muitas perguntas.
Na beira da estrada, fazia sinal para os poucos carros que passavam por ali, mas todos os motoristas pareciam indiferentes ao pedido de ajuda. Percebeu então que ninguém teria coragem de dar carona para um homem aos farrapos, ainda mais à noite. Continuou caminhando e tentava se lembrar do que havia acontecido. Mas o que incomodava mais era o fato de não ter recordações do dia anterior ao acidente. Era como se algumas páginas da memória tivessem sido arrancadas.
No misto de confusão e medo, se arrependeu de tentar se lembrar dos fatos. Naquela noite seria celebrado o seu casamento.
Ele estava atrasado.

sábado, 3 de abril de 2010

Diagonais - Capítulo 2

A sensação de estar pisando no inferno o fez perceber que havia perdido um dos sapatos. O pé descoberto o fez lembrar dos beijos sinceros que havia recebido há pouco tempo. Por todo o corpo. Sentiu medo por estar sozinho, mas não podia voltar. O sol morto o deixava confuso. Que horas eram afinal? Estava fugindo porque não sabia o que fazer. Ninguém sabia que ele estava no carro. Se ficasse escondido por um tempo, até que tudo fosse esquecido pelos jornais, poderia voltar para casa e apenas dizer que se atrasou para o jantar. No entanto, pensou que a ausência deixaria o pai preocupado demais a ponto de transformar em perigo aquilo que, de fato, já era. Não sabia exatamente onde estava mas era pra casa que estava sendo levado quando o acidente aconteceu. E pensou que acidente era uma hipótese que acabara de criar, porque não se lembrava dos minutos anteriores à colisão. Ao mesmo tempo em que esperava um indício verdadeiro de luz, tentava não se distanciar da estrada. Mas não se revelava porque poderiam associá-lo com o suposto acidente. As roupas rasgadas e a dificuldade em andar mostravam que ele não estava voltando direto da festa.


- Você é casado?
- Eu moro com o meu pai.
- Eu me enganei. Eu sinto cheiro de homem casado e fico louca. Fiquei louca por você e agora não sei mais por que.
- Eu tenho namorada. Devo ter confundido o seu faro.
Ela pareceu completamente indiferente a isso.
- A gente vai ficar aqui a noite inteira?
Ele havia respondido alguma coisa, mas ela não fez questão de ouvir. Segurou nas mãos dele e então foram guiados até a saída.
Ela tinha um carro bacana.
- Nós vamos para algum lugar?
- Vamos fazer tudo no carro.
Fizeram.



O sol morto, na verdade, era apenas o sol jovem do dia. Começava a amanhecer e ele pôde se guiar melhor pela estrada. Faltava muito para chegar em casa. Então lembrou que havia escolhido aquela festa simplesmente porque ela era bem longe de tudo que pudesse acusá-lo de trair a namorada. Queria apenas evitar uma dor de cabeça e agora estava sentindo dores por todo o corpo. Precisava primeiro ter certeza da sua inocência. Depois pensaria no resto.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Diagonais - Capítulo 1

Olhou ao redor e soube. Todos estavam mortos. A terra e o sangue coloriam a boca. Então pôde confirmar que a colisão realmente havia acontecido.



- Você está sozinho?

Ele estava terrivelmente sozinho e não gostaria de estar. Era uma chance de tornar a noite mais interessante. Era um lance de aventura. Eles se abraçaram e começaram a dançar uma música desconhecida que não embalava um romance. Era carnal. Era promessa de sexo. Foda. O frio na barriga e o cheiro de drops faziam com que o cérebro identificasse o fogo iminente. O desejo despertado girava ao redor da sua mente e o deixava incapaz de raciocinar. Era perigoso mas era bom. Queria sair daquela zona o mais rápido possível pra fazer o que realmente interessava. Só então percebeu que ela era muito bonita. Sentiu prazer e insegurança. Ela poderia trocá-lo por um rapaz mais atraente. Só que não queria perdê-la. Estava decidido.
Estava predestinado.



Alguém teria visto? E aquela dor enorme no peito era um indício de morte? Pensou ter ouvido gritos no outro carro. Mas era apenas a memória recente do acidente. Viu de longe que haviam acabado com uma família. Quatro pessoas, julgou num primeiro momento. Depois viu que um bebê havia sido lançado em direção ao asfalto. Estava sobre a faixa contínua. Que inferno era tudo isso? Queria despertar mas não tinha tempo. Estava atrasado para a fuga.